-Por Ana Carla Longo e Carolina Carvalho
Com carisma nato, a humildade e a coragem inabalável de quem veio para conquistar o mundo, Ananda Cantarino já tem muita história pra contar desde que começou a graduação. Aluna do sétimo período do curso de Jornalismo da Universidade Rural, negra e moradora de Austin, periferia da cidade de Nova iguaçu, recheou seu currículo de estudante, em 2018, com uma atividade de ponta: uma visita a ONU, nos EUA, como delegada.
A viagem teve seus primeiros passos quando Ananda fez uma inscrição para participar de uma conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) e conseguiu ser selecionada. Assim, realizou um sonho que antes considerava impossível: viajar para Nova York e representar a Rural num evento internacional.
A conferência “Future We Want Model United Nations 2018” ocorreu em março desse ano. O evento reuniu 1500 estudantes de mais de 110 países para debater questões globais e, pela primeira vez, foi gratuito. “O evento em si foi muito legal, porque eram pessoas do mundo inteiro. Tinha gente da Índia, da Arábia Saudita, de vários lugares. Gente se vestindo de um jeito diferente, conversando de forma diferente. Respirar fora da sua bolha é bem legal. Foi um enriquecimento pessoal e profissional muito grande.” conta a universitária que, na ocasião, fez amizade com outros brasileiros, duas meninas do Sri Lanka e um menino da Malásia.
Pela primeira vez fora do país, Ananda encarou também o desafio de falar outro idioma e de representar uma realidade distinta da sua. O evento tinha uma perspectiva diplomática e os estudantes representavam países de acordo com os moldes tradicionais de funcionamento das reuniões globais do órgão. “Eu fui delegada de outro país, que foi dado por eles. Eu tinha que falar sobre a descolonização na perspectiva do Vietnã. Antes do evento, tive que estudar sobre as políticas deles para debater isso. Os debates foram bem difíceis”, conta a estudante.
O evento durou um fim de semana, mas cada etapa que envolveu a viagem foi uma conquista para a estudante. “Eu tive uma troca muito grande porque recebi muita ajuda. Se fosse uma pessoa branca, rica, em outras condições, não seria um evento tão grande ir para Nova York. Eu não tinha dinheiro. Sozinha eu não teria ido, porque não tenho condições. E foi muito representativo porque eu recebi ajuda de muitas pessoas que confiam em mim, me apoiaram e me levaram até lá. Não foi uma corrida que eu tinha condições de percorrer sozinha”, relata Ananda, que se emocionou ao pensar na família e nas conquistas que a universidade proporcionou.
PH: Qual foi o momento que te marcou durante a viagem?
Não foi um momento na viagem, mas um momento por eu estar na viagem. Quando o evento acabou, eu estagiei lá, porque a sede do ITDP (em inglês, Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), onde eu estagio atualmente, é lá em Nova York. Teve um dia que eu estava trabalhando e o telefone tocou, era minha mãe e era o dia do aniversário da minha tia. Aí eu falei com ela, dei os parabéns e minha mãe passou o telefone para o meu avô. Quando o meu avô me ouviu, ele começou a chorar muito e eu não tinha chorado em momento nenhum da viagem, mas ele não conseguiu falar nada, ele ficou muito emocionado. E foi nessa hora que eu parei e pensei que meu avô mal sabe ler e escrever. Eu lembro de quando eu era pequena, um dia ele foi jogar no jogo do bicho e perguntou assim: ‘Ananda, como faz o 60?’. Eu era criança, devia ter uns sete anos, e aí expliquei pra ele. Agora a neta dele estava em Nova York, sabe. É uma ascensão de gerações na família muito grande, foi um momento muito marcante.
PH: Você é muito ligada à questão da representatividade por ser negra. Nesse sentido, qual foi o significado dessa viagem para você?
Meu lugar de fala é de onde eu parto. Eu moro na periferia de Nova Iguaçu, já é longe do centro, e aí meus vizinhos me viram em Nova York. É muito representativo porque na maioria das vezes os jovens da minha idade, de onde eu venho, a vida leva para outros caminhos. No meu ensino médio, tinha gente que queria se formar só para levar o diploma para a patroa ver que tinha estudo. Ninguém queria cursar a faculdade e eu não só cursei a faculdade como durante a faculdade eu fui para outro país e eu fui para outro país porque eu estava na universidade, são pontos que se ligam. É uma ocupação de muitos espaços, a partir do momento que você ocupa um espaço, outras portas se abrem para você ir conquistando cada vez mais. Então eu acho que a representatividade está nessas coisas bem minuciosas. Eu sou muito grata por toda a experiência. Eu acho que eu aproveitei muito nesses quatro anos. E agora eu quero me formar, chegou o momento que a sala de aula não me prende mais, eu quero voar.